Em virtude da magnitude do tempo pascal e para que essa festa seja celebrada na pureza, sinceridade e verdade que tão excelente solenidade exige (Cf. 1Cor 5,8), o tempo quaresmal é um momento oportuno de graça, em que a Igreja reflete, revive e atualiza etapas marcantes da história da salvação.
Nesse tempo em que a Igreja reza, pede perdão, eleva preces e súplicas e recorre ao amor compassivo de Deus, ela revive e traz consigo toda a simbologia bíblica que o número quarenta significa. Por essa razão, a quaresma é um espaço privilegiado que lembra com precisão a caminhada do povo de Deus, que liberto da escravidão atravessa o deserto da vida e, marcha rumo à terra prometida, em direção à pátria definitiva. Nesse caminho tem tentações, aflições, pecado, arrependimento e esperança de salvação. Pois, acima de tudo, a graça de Deus nos acompanha sempre para que não caiamos no desespero e não esmoreçamos durante a peregrinação.
Nesse sentido, a quaresma é aquele mesmo caminho que o Filho Pródigo percorre para, finalmente, voltar à casa do Pai e ganhar o seu aconchegante e caloroso abraço misericordioso (Cf. Lc 15,11-32).
Quaresma é tempo de conversão que significa mudança radical de mentalidade e de atitude. Não é mudança de religião. Todos nós, que somos feitos do mesmo barro, carecemos do perdão de Deus e precisamos de conversão. Sempre é possível melhorar. E, nesse mundo que persistentemente apresenta uma face da realidade que desrespeita ou menospreza os direitos humanos é justo e salutar que abandonemos o ódio, a indiferença, o egoísmo, a vingança e a disputa pelo poder desvinculada do interesse pelo serviço e pela promoção da vida para abraçarmos o amor, a solidariedade, a fraternidade, a compaixão, o perdão… a luta por justiça e a promoção da paz.
Quaresma é tempo de jejum. Por isso, nesse mundo dinheiro-cêntrico nada melhor do que os cristãos manifestarem que não é o dinheiro que tem a última palavra e que é possível abrir mão, não dos seus direitos, mas de privilégios e excessos que faltam aos irmãos prediletos de Jesus. É tempo de mostrar que é possível partilhar em vez de acumular. É tempo, sobretudo, de lembrar o profeta Isaías que com coragem proclama o jejum e a penitência que agrada ao Senhor é romper as correntes da iniquidade, pôr em liberdade os oprimidos, repartir o pão com o faminto, ajudar os pobres, os excluídos… (Is 58).
Quaresma é tempo de oração. É um momento favorável para se abrir o coração, os ouvidos e a mente para que Deus fale de maneira audível em nossa vida, para que descubramos a sua vontade e façamos o seu querer, para que amemos como Cristo nos mandou amar. Pois, “a melhor oração é amar”.
Quaresma é tempo de caridade. Jesus ensinou o amor aos inimigos. Ele mostrou que o amor e o perdão não têm limites. E, no momento mais dramático de sua vida, quanto mais era odiado, mais ele amava, mais ele oferecia. Infelizmente a nossa sociedade padece de uma onda de ódio e intolerância. Cresce um ódio sistemático que é difundido até nos meios de comunicação. Esse é um bom momento para olharmos para as periferias existenciais da vida e percebermos que temos uma população carcerária muito grande para distribuirmos mundo a fora ódio e desejo de prisão, cadeia, punição, castigo, morte… muitas vezes contrariando os nossos próprios direitos, que são os direitos humanos. É momento de mostrarmos a outra face, que sabemos amar, pois foi o mestre Jesus quem nos ensinou.
Na quaresma, a Igreja do Brasil realiza a Campanha da Fraternidade. Há mais de cinco décadas, ela anuncia a importância de não se separar conversão e serviço à sociedade e ao planeta. A cada ano, um tema é destacado. Desta forma, a Campanha da Fraternidade já refletiu sobre realidades muito próximas dos brasileiros: família, políticas públicas, saúde, trabalho, educação, moradia e violência, entre outros enfoques.
Em 2020, a CF convida, a olhar de modo mais atento e detalhado para a vida. Com o tema “Fraternidade e Vida: Dom e Compromisso” e lema “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (Lc 10,33-34), busca conscientizar, à luz da palavra de Deus, para o sentido da vida como dom e compromisso, que se traduz em relações de mútuo cuidado entre as pessoas, na família, na comunidade, na sociedade e no planeta, casa comum.
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